sexta-feira, 3 de julho de 2015

Cartas ou Quando os mortos falam



Stop this train

I want to get off
and go home again
I can't take the speed
it's moving in
I know I can't
But honestly
won't someone stop this train?
>> John Mayer <<





Há alguns anos atrás, eu fiz um retiro religioso que durou um fim de semana inteiro. Algumas das experiências lá foram bem legais, outras um pouco exageradas, a meu ver. O fato é que estar lá com alguns amigos que não conseguiam levar NADA  a sério foi um pequeno impasse. E, junto com isso, uma certa resistência da minha parte de fazer tudo igual a todo mundo me podou um pouco na situação.

Mas, tenho que admitir que um dos momentos lá se tornou um dos mais marcantes da minha vida. No último dia de atividades, recebíamos cartas feitas pela nossa família, amigos e qualquer pessoa querida que fosse convidada a te escrever algumas palavras.

As cartas das pessoas eram entregues numas pastinhas tímidas. Tinha gente com duas, três cartas. Tinha gente com cinco.  E, imagino eu, tinha gente sem nenhuma. Qual não foi meu susto quando eu recebi uma CAIXA ENORME cheia de cartas, cartões, fotos, bilhetes, presentes e milhares de coisas muito fofas e muito coloridas e bem organizadas lá dentro?

Por um momento eu fiquei absolutamente SEM GRAÇA. Com vergonha mesmo. Não porque eu achava que era um mico, mas porque eu fiquei pensando "deve ter gente aqui que nem ganhou nada e eu aqui esfregando essa coisa escandalosa na cara deles".

Eu nunca consegui me livrar desse sentimento. De sentir vergonha porque algo bom aconteceu pra você. Até hoje eu sinto esse constrangimento que é, no mínimo, irracional.

Contudo, o ponto importante sobre essa caixa é: tantos anos passaram e eu vivi inúmeros altos e baixos desde então. Algumas perdas aconteceram pelo caminho. Não de coisas. De pessoas.

E, já faz um tempo, eu estive pensando em reler essas cartas.

Ontem, eu li a carta que o meu tio Rodrigo fez pra mim.

Eu ouvi a voz dele lendo pra mim. As pausas e as entonações que ele fazia. E vi ele concentrado tentando escrever aquela mensagem e pensando em como dizer o que pretendia. E vi a ironia que ele usava pra fazer graça em diversos momentos ali estampada nos parágrafos. Eu vi a responsabilidade que ele queria que eu assumisse em relação à minha vida. E vi o que ele desejava pra mim. Naqueles dez minutos de leitura, eu estive com ele ali. Ou melhor, ele esteve comigo aqui.

E, por mais doloroso que tenha sido,  isso me deu um conforto imenso.

E, por mais confortante que tenha sido, isso me fez sentir uma vergonha e uma pena por aquelas pessoas que não podem ter o mesmo que eu.

Ter nas mãos um registro escrito do que essas pessoas que partiram sentiram por mim e do que elas tinham a me dizer naquele momento. E de ver que, sem querer, a mensagem que elas deixaram escritas pra mim vai ser a mensagem que vai definir a nossa relação daqui por diante.

Eu sempre tive um apego por cartas e cartões (tenho tantos guardados). E, agora, eu consigo enxergar um valor ainda maior pra essas relíquias.

Palavras são importantes mas, escritas elas têm mais poder.

É uma chance de ter voz mesmo longe. De estar junto já tendo partido.

Esse post vai terminar com um compromisso e um apelo.

Escreva! Pra quem você ama, pra quem você admira ou tem algo a dizer. Algo corriqueiro ou muito importante. Algo com algum sentimento.

Por favor, escrevam pra mim também. Cartas, bilhetes, recadinhos. Assinem. Ponham a data.

Não é justo que a gente esqueça algo tão importante, ou pior ainda, que a gente nunca saiba porque simplesmente perdemos o hábito de escrever uns pros outros.

Escreva uma carta, faça uma memória.

E eu prometo retribuir.

Não há nada que uma boa carta não possa contar.

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